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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Da primeira vez foi assim. Eu estava totalmente vulnerável e isso facilitou a falta de ação no momento da abordagem. Minhas retinas foram levadas, invadidas, conduzidas para um lugar em que eu não mais poderia reavê-las. Eu estava cega por uma imensidão azul. Quem poderia ser capaz de levar, e ao mesmo tempo trazer, tanto brilho aos meus olhos?
Mas a função social dessa ação é que, sem visão, eu não poderia ver os defeitos, se é que eles existem, não poderia ver sequer um palmo à minha frente. Eu tinha sido naturalmente violada.
Na segunda vez ele me roubou os pés. Sem pensar em nada, acabei sendo traída por eles, pois me levaram de volta ao território onde eu já havia perdido os olhos. Eu nada poderia fazer, pois a sensação de pisar naquele lugar de novo me fez acreditar que nenhum outro chão mereceria aquelas marcas de pegadas.
E aquele assalto não ficou restrito apenas a isso. Cada dia que ia passando, algo de mim ia embora, como se fosse gratificante ir deturpando o direito de manter-me inteira. Minha sensibilidade e meus sentidos foram se moldando aquela nova realidade.
Meu olfato também foi usurpado. Eu respiro aqui e sinto o cheiro de lá. Como se não bastasse é quase gustativo, sinto o gosto ao mesmo tempo. Minha pele também foi roubada, já que caso haja vento lá, é aqui que eu me arrepio. E todas as filosofias que eu tentei infiltrar em meia dúzia de palavras não foram suficientes pra retratar uma tarde de observação daquele cenário. Pelo assalto que me sujeitei, não mantive a capacidade de explicar com riqueza de detalhes um simples pôr do sol. Essa traição toda do meu cérebro me rende boas imagens daquilo que não consigo ver em tempo integral. Eu fui roubada descaradamente.
E a única coisa que eu consigo fazer é gritar aos quatro cantos que, toda aquela quilometragem que me separa desse assalto constante, é extremamente ridícula. A distância é medíocre frente a tudo isso que me acontece interna e externamente.
É por essas e outras que eu venho lhe dizer, meu nobre amigo, só vá ao Rio de janeiro se você for capaz de suportar ser assaltado. O lugar te rouba pra ele. Você saí de lá rico de lembranças, mas em contrapartida, deixa metade de si. Eu não seria capaz de resistir a esse arrastão, que me levou de um canto a outro, da Lapa ao Leblon, do Leme ao Corcovado, do Pão de açúcar à Pedra da Gávea.
Eu não fui capaz de registrar um Boletim de ocorrência, nem de pegar um atestado de corpo delito ou até mesmo de consultar um advogado. Eu só fui capaz de retornar, pra fazer uma simulação daquele crime. Um crime eu ter que sair daquele cárcere. 



@gi_cabral é aspirante a filósofa de paisagem que invade a retina e adora ser invadida por tudo que rende boas linhas de adoração pública. 
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